segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Carroceria leve e barata com motor moderno e potente: veja como a síntese do movimento rodder pode ser aplicada em um veículo nacional dos anos 70


Texto: Rogério Ferraresi
Fotos: Bruno Guerreiro
Em 1977, quando o governo militar do general presidente Ernesto Geisel fazia valer o racionamento de gasolina (os postos fechavam das 19 horas de sábado às 6 horas de segunda-feira, nos feriados e nas madrugadas), João Dias, o tio avô do leitor Ricardo Fernandes, decidiu comprar um carro novo. Tinha em mente adquirir um veículo estável, razoavelmente confortável e, é claro, econômico. A melhor opção era o Chevette e, por tal motivo, no dia 23 de dezembro, acabou adquirindo um modelo SL 1978, de cor vinho sólida, na concessionária Vigorito, de Guarulhos, SP. Como viajava muito, costumava deixar o Chevette na garagem da casa do pai de Ricardo. Nesse meio tempo o leitor foi crescendo e se apegando ao veículo.


Aos 15 anos Ricardo passou a lavar e cuidar do carrinho, recebendo ainda a autorização para dar partida, zelando, assim, pela carga da bateria. A situação perdurou até 1993, quando o proprietário ficou doente e, em reconhecimento ao esforço de Ricardo, que acabara de entrar para a faculdade de engenharia mecânica, resolveu doar-lhe o Chevette, então com apenas 70 mil km rodados. Foi o último presente que Ricardo recebeu de João: ele faleceu logo em seguida. Por cinco anos o Chevette foi usado diariamente, no trajeto de ida e volta para a faculdade. Terminado o curso, Ricardo empregou-se em uma seguradora, devido a seu conhecimento técnico, como perito de carros sinistrados. Continuou usando o Chevrolet em suas visitas a oficinas, conhecendo empresas de todos os tipos, boas e ruins. Reuniu algum capital e, em 2000, resolveu restaurar o carrinho.
Levou-o até a melhor oficina que conhecia, mas o dono relutou a aceitar o serviço, pois só trabalhava com veículos novos sinistrados. Ricardo, porém, conseguiu “dobra-lo” e o Chevette começou a ser refeito nos momentos de ociosidade da oficina. A primeira idéia do leitor foi usar uma cor chamativa, mas sem fugir ao original. Escolheu um tom de vinho perolizado da linha Opel e foi ai que o projeto começou a mudar. O responsável pela oficina decidiu não recuperar peças com pequenos defeitos. Passou, então, a exigir itens novos, como os paralamas dianteiros e o assoalho do porta malas. Apesar do custo, Ricardo atendeu as solicitações. E valeu a pena: dois anos depois o Chevette ficou como novo. Ou até melhor, dado o avanço tecnológico dos insumos utilizados, superiores ao material existente na década de 70.


O Chevrolet seguiu, então, para a garagem do leitor, somente com o agregado dianteiro e o eixo traseiro instalados, possibilitando, assim, a montagem das rodas. Ao ver o carro naquele estado, Ricardo decidiu customiza-lo, mas utilizado apenas componentes GM. Começou, então, a montagem de um “Chepala”, ou seja, um Chevette com motor Opala.
 A primeira medida foi adquirir um motor 2500, de quatro cilindros, o qual foi retificado e recebeu componentes da versão 151S, utilizada no SS4, como coletor de admissão em alumínio e carburador DFV 446 com válvula gargulante suplementar de dois estágios. A potência do carrinho, que era de 68 cv (SAE), saltou para 98 cv (SAE).


Isso não era uma novidade. Na década de 70 a engenharia da GM chegou a montar unidades do Chevette com motor 2500. Os planos foram engavetados com a crise do petróleo. Nos anos 80, preparadores paulistas como Mingo, Heraldo e Toco passaram a fazer tal adaptação. O jornalista José Luis Vieira, da extinta revista Motor 3, também construiu um “Chepala” e chegou a ensinar passo a passo como se fazia a montagem na publicação.
Na década seguinte o engenheiro Eugenio Martins lançou um virabrequim especial para tal motor, cujo diâmetro permanecia o mesmo (101,1 mm), mas com curso de 93 mm, contra 76,2 mm do original (um aumento de 22%), fazendo a cilindrada saltar para 3.000 cm3. Isso exigia o emprego das bielas curtas do motor de seis cilindros. O resultado era a obtenção de 153 cv (SAE) com torque de 31 kgfm, praticamente os mesmos valores do Opala SS6.


O carro de Ricardo não teria o virabrequim de três litros, mas, para aproveitar a potência do 2500, a caixa de câmbio de quatro marchas foi substituída pela de cinco, do Chevette 1984, com relações de 3,74:1; 2,16:1, 1,38:1, 1,00:1 e 0,84:1, diferindo daquela usada no Opala quatro cilindros apenas pela primeira (3,40:1). Vale citar que a relação do Chevette 1400, 4,10:1, não foi alterada e, considerando que a relação do Opala 2500 era de 3,54:1, o carro ficou bem “curto”.
Como o Chevette pesa apenas 864 kg (resultando em uma relação peso potência de 8,8 kg/cv, contra 11,7 kg/cv do Opala, de 1.156 kg) ficou extremamente veloz, além de poder arrancar cantando pneus em terceira marcha. Apenas para servir como exemplo, a relação peso potência do Dodge Charger R/T 1971 de 215 cv (SAE), que ainda usava gasolina azul, era de 7 kg/cv, enquanto a do moderno Fiat Stilo Abarth era de 8,34 kg/cv.


Os testes foram feitos com o carro sem vidros e acabamento interno. Posteriormente tudo foi remontado e Ricardo se divertiu muito, surpreendendo os donos de veículos modernos que, é claro, não conseguiam entender como um Chevette podia deixá-los para trás. Porém, a alegria teve fim quando o cabeçote trincou. Ricardo levou o carro para a garagem, retirou o motor e, irritado, o abandonou ao lado do Chevrolet. Tal situação perdurou por oito meses. O leitor pensou em trocar o cabeçote e turbinar o 2500, mas desistiu quando um amigo o convenceu a fazer algo diferente, fugindo do lugar comum. Só não fazia idéia de como atingir esse objetivo.
Paralelamente outro amigo lhe indicou uma pessoa que tinha três motores Chevrolet Vortec L35 à venda. O propulsor é baseado no small block Chevy 350 V8, tendo sido importados para as Blazer e as pick-ups Chevrolet a partir de 1996. Era produzido, nessa época, nas fabricas da GM de Romulus, Michigan, e Tonawanda, Nova York. Com diâmetro e curso de 101,6 mm x 88,4 mm (cada biela tem 144,78 mm), o L35 tem 4.299 cm3 e cilindrada unitária de 716,6 cm3.


O bloco e os cabeçotes do L35 são de ferro fundido e as válvulas (duas por cilindro), que contam com tuchos hidráulicos, têm 49,28 mm (admissão) e 38,10 mm (escape). A taxa é de 9,2:1, adequada para “queimar” gasolina E20, com 20% de etanol.
 Uma das suas características desse motor é a presença de uma árvore contra-rotativa (balance shaft) no bloco, para anular vibrações decorrentes de forças de inércia.  O carter de alumínio é estrutural (parte é fixada no câmbio), reduzindo o peso total do motor, sendo que a condutividade térmica do alumínio favorece a dissipação de calor do óleo lubrificante.


Além disso, o filtro de óleo é remoto, facilitando a sua substituição. Com torque de 34,7 kgfm a 2600 rpm, os 180 cv (SAE) eram obtidos por volta de 4.200 rpm. A 1000 rpm, praticamente em marcha lenta, o Vortec já desenvolvia 42 cv, atingindo os 70 cv a 1.500 rpm.
O L35 era importado em forma parcial, sem diversos órgãos auxiliares, que eram aplicados aqui, como alternador e correia poli-V. Assim, os motores estavam incompletos e, para obter os agregados necessários, Ricardo comprou dois deles. O curioso é que não o fez para instalar o V6 no Chevette, mas quando os propulsores chegaram, teve a idéia de comparar um Vortec com o 2500 e se surpreendeu ao notar que ambos tinham praticamente o mesmo comprimento.


Assim, decidiu adaptar um V6 no veículo, “encrenca” para qual contou com a ajuda do amigo Wagner Sacco. Vale lembrar que a GM americana chegou a fazer esse tipo de adaptação, no inicio dos anos 80, em protótipos, mas o Chevette V6 jamais foi fabricado em série. O leitor não pretendia mudar a posição do câmbio, que já havia sido trocado pelo de cinco marchas do Diplomata 4.100 1992, mas a alavanca do Chevette foi mantida. A capa seca era compatível com a furação do motor americano, o que facilitou o trabalho. O agregado dianteiro do Chevette foi retirado e reforçado internamente com uma estrutura de barras de aço triangulada, ficando mais resistente à tração e compressão. O mesmo ocorreu com os suportes dos coxins, sendo que os elementos de borracha são da Blazer.  As molas dianteiras deram lugar as da pick-up Chevy 500, mais duras.
Eixo motriz e o cardã encapsulado foram retirados. Empregou-se o cardã encurtado da Blazer e o eixo Dana 44 do utilitário, mas com o sistema travante automático Positraction eliminado, “para auxiliar no controle direcional, mesmo perdendo um pouco em arranque”, explicou Ricardo. Além disso, a relação da Blazer, 3,73:1, foi substituída pela 3,31:1, do Maverick de seis cilindros. Como os tubos laterais por onde correm os semi eixos têm tamanhos diferentes, bastou comprar outro eixo e fazer um terceiro com os segmentos tubulares curtos, pois bitola do Chevette é 10 cm menor que a da Blazer.


Os tubos perderam as ancoragens dos feixes de mola. Neles soldaram-se fixações para o emprego das bandejas inferiores do Opala, as quais, com o auxilio de um extensor, foram parafusadas, na outra extremidade, nos pontos de ancoragem originais do monobloco. A barra Panhard do Chevette foi mantida, mas teve adaptado um sistema de ajuste por rosca. O eixo tem ainda braços de controle superiores tubulares. Os amortecedores, retrabalhados, são do Omega.
Originalmente o Vortec L35 saía de fábrica com o sistema de injeção Delphi SCPI (Sequential Central Port Injection). A traquitana eletrônica deu lugar um conjunto com coletor de admissão Edelbrock Performer e carburador Holley quadrijet de 600 cmf (segundo estágio mecânico). Os dutos do cabeçote foram polidos (para melhorar o fluxo da mistura) e as sedes de válvulas retrabalhadas. Bomba de óleo Milodon, bomba de gasolina elétrica Holley, coletores de escape em aço carbono (com saídas viradas para frente) e sistema de ignição Pro Com foram outros itens utilizados.


Foi providenciado um radiador artesanal, de maior capacidade, com caixas superiores e inferiores de Opala. Ele trabalha com ventoinha elétrica Flex- a-Lite e fica inclinado, para não haver a necessidade de cortar o quadro frontal. O cilindro mestre e seu reservatório são do Vectra e não houve espaço para a instalação do servo. O carro usa discos de freio do Opala, mas as pinças são de Vectra na dianteira e de Kadett na traseira. Pequenas, elas permitiram a utilização das rodas de 14 polegadas do Opala SS 1971/74 com pneus Firestone Firehawk 195/60 e Cooper Cobra 215/60.
O habitáculo permanece original, sem os exageros horripilantes do tuning. Recebeu apenas o painel de instrumentos (velocímetro, relógio e contagiros) e o console (com marcador do nível de combustível, vacuômetro, termômetro e voltímetro) do “esportivo” GP II. O Chevette ficou pronto em 2008 e hoje apresenta uma relação peso/potência de 4,8 kg/cv, podendo disputar arrancadas em pé de igualdade com carros como o Camaro 2011, de 400 cv, cujo coeficiente, pesando 1.755 kg, é praticamente o mesmo: 4,3 kg/cv. E tudo isso com um custo muito menor.